Celebrar
os 50 anos da abertura do Concílio no Ano da Fé
1. Na Carta apostólica A Porta da
Fé, assim se exprime o Papa Bento XVI: «Pareceu-me que fazer coincidir o início
do Ano da Fé com o cinquentenário da abertura do Concílio Vaticano II poderia
ser uma ocasião propícia para compreender que os textos deixados em herança
pelos Padres Conciliares, segundo as palavras do Beato João Paulo II, “não
perdem o seu valor nem a sua beleza (…). Sinto hoje, ainda mais intensamente, o
dever de indicar o Concílio como a grande graça de que beneficiou a Igreja no
século XX: nele se encontra uma bússola segura para nos orientar no caminho do
século que começa”. Quero aqui repetir, com veemência, as palavras que disse a
propósito do Concílio, poucos meses depois da minha eleição para Sucessor de
Pedro: “Se o lermos e recebermos, guiados por uma justa hermenêutica, o
Concílio pode ser e tornar-se cada vez mais uma grande força para a renovação
sempre necessária da Igreja”» (Bento XVI, Carta apostólica Porta Fidei, 2011.10.11, n. 5)
Celebrar o cinquentenário do
Concílio, nestes tempos em que a fé deixou de ser um dado evidente, há de ser
uma ocasião para aprofundarmos tão grande dom de Deus, que nos faz experimentar
a alegria e o entusiasmo do encontro com Cristo na comunidade da sua Igreja. Se
a nossa fé não se renova, facilmente degenera num adorno espiritualista e as
práticas religiosas não passam de rituais sem alma e coração. Para nada serve o
sal que perdeu a força e a luz que fica escondida (cf. Mt 5, 13-16).
Não basta mostrar a nossa
concordância com os documentos do Concílio Vaticano II e o Catecismo da Igreja
Católica, publicado há 20 anos como sua aplicação catequética. É preciso fazer
descer à prática quotidiana a riqueza dos seus ensinamentos. Pelos frutos de
caridade se conhece a árvore da nossa fé (cf. Mt 7, 17-20). É preciso que a
nossa fé encarne num estilo de vida cristã, na família e no trabalho, na vida
social e política. Cristo exorta-nos à coerência entre fé e vida real: «Nem
todo o que me diz: “Senhor, Senhor” entrará no Reino do Céu, mas sim aquele que
faz a vontade de meu Pai que está no Céu» (Mt 7, 21). E S. Tiago recorda-nos
que «a fé sem obras está morta» (Tg 2, 26), é inexistente.
Pôr em prática o Concílio
2. A convocação do Concílio
Vaticano II deu‑se 90 anos depois da realização do
Concílio Vaticano I, que foi interrompido abruptamente dadas as convulsões
pela unificação de Itália, a 18 de dezembro de 1870. A 25 de janeiro de 1959,
na Basílica de S. Paulo extramuros, João XXIII, eleito apenas três meses antes,
anunciou, inesperada e solenemente, a convocação de um Concílio ecuménico.
Tinha em mente não apenas «o bem estar do povo cristão», mas também um convite
às «comunidades separadas para a busca da unidade». Sem consultas prévias aos
Bispos da Igreja universal, como tinha feito Pio IX antes da convocação do
Concílio Vaticano I, João XXIII decide esta convocação «por uma repentina
inspiração de Deus», apelidando este Concílio como «flor espontânea de uma
inesperada primavera». A Igreja viveu «um novo Pentecostes», como chamou o
mesmo Papa ao Concílio. Um dinamismo de renovação foi experimentado na Igreja,
aos mais diversos níveis e quadrantes geográficos.
O Papa Paulo VI, na Carta
apostólica em que declara encerrado o Concílio, confirma e exorta ao seu
cumprimento, assim afirma: «Foi o maior Concílio pelo número de Padres, vindos
de todas as partes da terra, mesmo daquelas onde só há pouco foi constituída a
hierarquia; foi o mais rico pelos temas que, durante quatro sessões, foram
tratados com empenho e perfeição; foi o mais oportuno, enfim, porque tendo em
conta as necessidades dos nossos dias, atendeu sobretudo às necessidades
pastorais e, alimentando a chama da caridade, esforçou-se grandemente por
atingir com afeto fraterno não só os cristãos ainda separados da comunhão da Sé
Apostólica, mas até a inteira família humana» (Paulo VI, Carta apostólica In Spiritu Sancto, 1965.12.08)
A Igreja de Cristo é hoje a
Igreja do Concílio Vaticano II, que nos compete continuar a aplicar com
fidelidade criativa. Queremos dar graças a Deus por este Concílio providencial
que continua a inspirar a Igreja. No decurso do movimento de renovação
conciliar, ocorreram hesitações e desvios, que não se podem atribuir a este
evento de grandeza ímpar, que João Paulo II apelidou de «seminário do Espírito
Santo», aberto ao mundo. Felizmente a receção do Concílio Vaticano II deu‑se entre nós de um modo globalmente positivo. A celebração do
presente aniversário deve levar‑nos a um
exame de consciência, pessoal e comunitário, para vermos o que falta fazer para
implementar o espírito e a letra do Concílio.
Iniciativas pastorais para viver o Concílio
3. O Santo Padre quis fazer
coincidir o início do Ano da Fé com a celebração do cinquentenário da abertura
do Concílio Vaticano II. Assim, recordamos a importância de integrar nos nossos
planos pastorais as indicações gerais e as propostas de ação que se encontram
na citada Carta apostólica Porta Fidei do Papa Bento XVI e na Nota com
indicações pastorais para viver o Ano da Fé. (Congregação para a Doutrina da Fé, Nota com indicações pastorais para o Ano da Fé, 2012.01.06)
Os Bispos da Igreja em Portugal
exortam os agentes pastorais, a nível de dioceses, paróquias, congregações,
movimentos e os responsáveis das mais diversas instituições eclesiais, que
promovam o estudo, a reflexão e a aplicação do Concílio Vaticano II, sobretudo
dos documentos mais relevantes, as Constituições: Lumen gentium, sobre a santa
Igreja; Sacrosanctum Concilium, sobre a sagrada Liturgia; Dei Verbum, sobre a
Revelação divina; e Gaudium et spes, sobre a Igreja no mundo contemporâneo.
Propomos que as atividades e
iniciativas programadas, como cursos, jornadas, pregações, retiros, encontros,
peregrinações, intervenções na comunicação social e a própria oração, possam
abordar temas na linha das efemérides celebradas.
O momento celebrativo, a nível
nacional, será a 13 de outubro, em Fátima, aproveitando a habitual peregrinação
e praticamente em coincidência com a data da abertura do Concílio há 50 anos.
Fraternalmente unidos, agradeceremos a Deus a grande graça do Concílio Vaticano
II, que ainda hoje continua a ser bússola segura que norteia a vida e a ação da
Igreja de Cristo. (...)
As próximas Jornadas Pastorais do
Episcopado, em junho, serão também momento de reflexão para avaliar o que já se
fez com vista a pôr em prática o Concílio e para projetar o que ainda falta
fazer. Todos precisamos de nos examinar para ver o que o Espírito diz à Igreja
em Portugal, a fim de continuar a experiência de Pentecostes do Vaticano II.
O dinamismo de renovação
conciliar deve também passar pelo projeto em que está envolvida a Igreja nos
últimos tempos: «Repensar juntos a Pastoral da Igreja em Portugal», no
horizonte da nova evangelização. Celebrar o Concílio Vaticano II não significa
recordá-lo em clima de nostalgia do passado, mas revivê-lo e projetá-lo, na
abertura ao futuro onde Deus nos espera. Cabe‑nos a
missão de pôr sempre mais em prática o Vaticano II, um Concílio com 50 anos de
atualidade.
Fátima, 19 de abril de 2012
Conferência Episcopal Portuguesa