«Durante esta semana, em Santander, na UIMP (Universidade Internacional
Menéndez Pelayo), realizou-se um Curso de Verão sobre os 50 anos do Concílio
Vaticano II (1962-1965). A direcção pertenceu ao teólogo Juan José Tamayo. O Concílio foi um enorme acontecimento. Sem ele, é inimaginável a situação da
Igreja Católica e, consequentemente, dada a sua influência no mundo, também do
próprio mundo. Como sublinhou Tamayo, operaram-se grandes transformações:
De uma Igreja que se considerava uma sociedade perfeita passou-se à Igreja
como comunidade de crentes. Do mundo como inimigo da alma ao mundo como lugar da
vivência da fé. Da condenação da modernidade e das religiões não cristãs ao
diálogo multilateral. Da condenação dos direitos humanos ao seu reconhecimento e
proclamação. Da condenação da secularização à sua defesa, no sentido do
reconhecimento da autonomia das realidades temporais. Da Igreja imutável e
imóvel à Igreja que deve estar em constante reforma. Do integrismo católico ao
respeito pelas outras crenças. Do autoritarismo centralizado em Roma à
colegialidade episcopal. Da Cristandade ao cristianismo. Da pertença à Igreja
como condição necessária para a salvação à liberdade religiosa como direito
humano fundamental. De uma Igreja europeia a uma Igreja verdadeiramente
universal.
Houve limites? Alguns, maiores: apesar de certa abertura ao mundo, o seu
carácter eurocêntrico - o horizonte de compreensão foi a modernidade europeia e,
nesse quadro, a problemática da crise de Deus no mundo ocidental e o fenómeno da
descrença -, e a não centralidade da opção pelos pobres, não se dando a devida
atenção às maiorias populares do Terceiro Mundo. O Ocidente acabou por ser o
destinatário principal do Concílio. Depois, o antropocentrismo exacerbado fez
com que a problemática da ecologia fosse ignorada.
Alguns temas foram silenciados. O Papa Paulo VI impediu que o tema do
celibato dos padres fosse debatido - mais tarde, num Sínodo Episcopal,
submeteu-o a votação, mas a maioria dos bispos opôs-se. O lugar das mulheres na
Igreja e, concretamente, a sua ordenação, bem como o controlo da natalidade,
foram arredados do debate.
No dizer de Tamayo, "o Concílio foi uma curta Primavera a que se seguiu um
longo Inverno, que dura há mais de 40 anos". Perante os excessos de então, Paulo
VI, que tinha convictamente levado a termo o Concílio, mas que era um
intelectual hesitante, teve receio e começou a pôr algum travão, numa história
de avanços e recuos. Depois, já com João Paulo II, avançou a involução e pôs-se
em marcha "um programa calculado de restauração". Acentuou-se o carácter
hierárquico-papal da Igreja, limitou-se a liberdade de investigação teológica,
muitos teólogos foram condenados, passou-se do pensamento crítico ao pensamento
único e dogmático, a Cúria readquiriu poder, os bispos conciliares foram sendo
substituídos por bispos fiéis ao neoconservadorismo e ao Vaticano.
Com Bento XVI, que constituiu uma surpresa pela sua humanidade, por medidas
fortes contra o clero pedófilo, pela admiração por parte dos intelectuais, o
caminho da involução continua: aí estão a restauração da Missa em latim, as
negociações com os lefebvrianos, a condenação de teólogos, a centralização. Perante a grave crise que atravessa hoje a Igreja, muitos reclamam um novo
Concílio: um Vaticano III, convocado por um João XXIV. Mas há quem, para lá de
outras objecções, lembre a questão financeira: um novo Concílio seria demasiado
caro.
Pergunta-se, então, se não deveria dar-se, pelo menos, a convocação dos
Presidentes de todas as Conferências Episcopais do mundo - há quem, com razão,
questione a utilidade do cardinalato -, para resolver problemas urgentes: os
escândalos no Vaticano, a questão do celibato, o lugar da mulher na Igreja,
reformas das estruturas eclesiásticas, maior descentralização, uma linguagem
nova para a expressão da fé, questões novas postas pela globalização e pelas
novas tecnologias, tanto no domínio da comunicação como no da vida.»
Anselmo Borges, in Diário de Notícias - 30 de Junho de 2012