terça-feira, 20 de novembro de 2012

A Liturgia, o Espaço e a Celebração da Fé das Comunidades



Será já no próximo dia 26 de Novembro, segunda-feira, às 21h30, a VIII sessão do Ciclo de Conferências «Uma Janela Aberta para o Mundo - nos 50 anos do II Concílio Vaticano».
 
A próxima conferência tem por título «A Liturgia, o Espaço e a Celebração da Fé das Comunidades», e será orientada pelo Arquiteto Bernardo Pizarro Miranda.
 
Com um amplo trabalho na descoberta do sentido e relação entre a Arquitectura e a Liturgia, o conferencista esteve presente, nomeadamente, nas recentes jornadas «Liturgia, Arte e Arquitetura nos 50 anos do II Concílio Vaticano », realizadas na Universidade Católica de Lisboa a 15 e 16 de Novembro.
 
O encontro será, excepcionalmente, na própria igreja do Mosteiro da Serra do Pilar, Vila Nova de Gaia, e, claro, a entrada é livre e o convite é para todos!

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

A Igreja: Natal continuado e processos de parto



«Não é falsa analogia aquela pela qual se compara a Igreja com o mistério da Encarnação: assim como a natureza assumida pelo Verbo divino lhe serve como órgão vivo de Salvação, a ele indissoluvelmente unido, de modo semelhante, a estrutura social da Igreja serve ao Espírito de Cristo, que a vivifica, para fazer progredir o seu Corpo».
 
Foi a partir desta analogia, apresentada pela primeira vez pelo teólogo Möhler no século XIX e assumida pela Lumen Gentium, que nos sentamos na passada sexta-feira para escutar e aprofundar o sentido da Igreja como sinal e presença do mistério da Encarnação, e como um Corpo que, nos passos de Jesus, continua a nascer e a emergir na história. Uma imagem para falar da Igreja numa altura (sempre em risco de regressar) em que a Igreja era apenas identificada com a instituição, «sociedade perfeita» na expressão do cardeal Belarmino, perfeitamente estruturada numa hierarquia, na prática dos sacramentos, na organização do direito canónico.
 
José Pedro Angélico, cristão, apreciador da estética anos 70 (assumido pelo próprio), e também professor na Faculdade de Teologia do Porto, teve o prazer e deu o prazer à comunidade de partilhar um belo serão com uma linguagem muitas vezes esquecida do mistério da Igreja. Uma Igreja que se assume como sinal e pertença ao mesmo misterio da Encarnação é uma Igreja que reconhece a importância dos seus sinais, das suas instituições, dos seus gestos na medida em que estes significam e transparecem o Evangelho. A partir do momento em que esta missão é esquecida, os sinais e instituições tornam-se fins em si próprios, e perdem o seu significado.
 
Tudo num processo de parto, de constante re-nascimento que, hoje, nos 50 anos da abertura do Concílio Vaticano II, continua a ser uma urgência. A fidelidade ao Concílio (e ao espírito do Novo Testamento), exigem uma Igreja em constante interrogação, em vitalidade, à procura da sua missão, à leitura dos sinais dos tempos, à procura do Evangelho de Jesus na linguagem moderna. Uma Igreja que cristaliza a sua fé e o património do Concílio é uma Igreja que deixa de re-nascer.
 
 

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Escritura e Tradição







E depois de umas merecidas férias, retomamos o Ciclo de Encontros sobre os 50 anos de abertura do II Concílio Vaticano II.
 
A próxima sessão, nº 5, tem por título «Escritura e Tradição, Duas Fontes, um só Rio, uma só Re(ve)lação», e será orientada pelo teólogo Luis Leal.
 
A sessão será na próxima Sexta-Feira, dia 28 de Setembro, às 21h30. O local é o do costume: o belo Salão Nobre do Quartel da Serra do Pilar, e o convite, claro, é gratuito e aberto a todos.
 
Até Sexta!


 
«A sagrada Tradição, portanto, e a Sagrada Escritura estão ìntimamente unidas e compenetradas entre si. Com efeito, derivando ambas da mesma fonte divina, fazem como que uma coisa só e tendem ao mesmo fim. A Sagrada Escritura é a palavra de Deus enquanto foi escrita por inspiração do Espírito Santo; a sagrada Tradição, por sua vez, transmite integralmente aos sucessores dos Apóstolos a palavra de Deus confiada por Cristo Senhor e pelo Espírito Santo aos Apóstolos, para que eles, com a luz do Espírito de verdade, a conservem, a exponham e a difundam fielmente na sua pregação» DV 9
 

quinta-feira, 5 de julho de 2012

Memórias do Vaticano II

«Posso agora dizer, como é verdadeiramente digno e salutar, que se comemora hoje – 11 de Outubro de 2002 – o 40º aniversário do início dos trabalhos conciliares, em Roma, a 11 de Outubro de 1962. Outro dia perguntaram-me se eu me lembrava do que fiz nesse dia. Não me lembro. Mas lembro-me muito bem que estava em casa da Maria Leonor e do Nuno Bragança, quando, à hora do jantar, o Nuno chegou a casa a dizer que o Papa tinha anunciado, em São-Paulo-Fora-de-Muros a dezoito cardeais, a sua intenção de convocar um Concílio. Foi a 25 de Janeiro de 1959, cinco meses menos um dia antes do nascimento do meu filho mais velho.

O Papa era João XXIII, eleito a 28 de Outubro de 1958, aos 77 anos. Quando se soube dessa eleição, o mesmo Nuno – sempre o mesmo Nuno – comentou comigo que o Espírito Santo talvez se tivesse distraído um bocadinho. Depois do longo pontificado de Pio XII (1939-1958) dizia-se que a Igreja precisava de um ‘papa de transição’, que não reinasse muito. Um papa que não fizesse ondas. Será que havia esse tempo a perder, perguntava-me e perguntava-se o Nuno. Mas a homilia de coroação já foi uma surpresa. Ao assumir-se como Bispo de Roma, ‘irmão de todos os bispos do universo’, retirando a primazia à chefia da Igreja universal, tão proclamada por Pio XII, João XXIII espantou pela vez primeira (ou pela segunda, já que a escolha do nome também deixara muitos perplexos, pois que joões papas os não havia desde o século XIV).

Mas a 25 de Janeiro de 1959 aconteceu muito mais. Um Concílio? Ninguém pensava nisso. E muito menos num concílio para aproximar a Igreja do mundo então contemporâneo. Daí o nosso entusiasmo nesse dia. Algo ia mudar. Uma nova era. Um Concílio – o 22º da História da Igreja – ia fazer parte da nossa história, quase cem anos depois do Vaticano I, que não era santo do nosso altar. Reforma da Igreja como Povo de Deus. Diálogo com os outros cristãos. Diálogo com o mundo. Durante os trabalhos pré-conciliares, estes forma os três grandes vectores de orientação do pensamento de João XXIII. Marcaram igualmente a primeira sessão conciliar (Outubro a Dezembro de 1962), a sessão que ‘tomou o pulso à Igreja’. Depois, foi a Pacem in Terris. Depois, a morte de João XXIII (3 de Junho de 1963, aos 81 anos, cinco anos incompletos de pontificado).

Mas quem viveu esses anos, por exemplo em Portugal, recorda um clima como nunca mais se viveu na Igreja. Aqui, a política deu-lhe um tempero especial. O reinado de João XXIII coincidiu com o exílio do Bispo do Porto, com as primeiras manifestações de católicos contra o regime, com o Santa Maria, com o fim da Índia Portuguesa e com o começo da Guerra de África, com os movimentos estudantis, com os livros da Moraes, com o aparecimento da Pragma e de O Tempo e o Modo. A propósito de tudo, discussões frementes e veementes. O baluarte católico era o primeiro dos bastiões do salazarismo a mostrar rombos. A Seara Nova, revista marxista, publicava o retrato do papa na primeira página, coisa inimaginável nos quarenta anos de vida da revista. Em meios muito conservadores, rosnava-se que já tinha havido outro João XXIII, anti-papa. Quem se seguiria?

Quanto rezámos para que o sucessor fosse esse cardeal Montini, que já tínhamos sonhado ver suceder a Pio XII. E foi Paulo VI. No dia a seguir à eleição, visitei Mário Dionísio, então meu colega como professor no Camões, que estava hospitalizado. Marzista dos quatro costados, militantemente agnóstico, saudou-me com um largo aceno: ‘Vocês agora têm um Papa a valer’. Sorri-lhe, orgulhoso.
Mas cedo começaram algumas reticências sobre o novo Papa. ‘Forma Pacelli, fundo Roncalli’, dizia-se. Quando saiu a Ecclesiam Suam, primeira encíclica de Paulo VI, escrevi n’O Tempo e o Modo um artigo que procurava desesperadamente provar (ou ‘poeticamente’ provar, como me acusava, de Roma e da ‘Capela Sinistra’ o Manuel Lucena, que me recordava que o mais poético nem sempre é o mais verdadeiro), que Paulo VI evoluía na continuidade do seu predecessor.

Foi mais fácil sustentá-lo na 3ª sessão (14 de Setembro a 21 de Novembro de 1964) e na 4ª (28 de Setembro a 8 de Dezembro de 1965). Em 1964, no mesmo O Tempo e o Modo um certo Manuel Frade já via nos textos conciliares ‘muito mais da multissecular sabedoria da Igreja do que daquele pouco da ‘loucura de Deus’ de que todos os homens têm fome’. E acrescentou: ‘O milagre não se deu’.

Mas, se institucionalmente se não deu (e dos milagres aos cismas, vai às vezes um passo, como recordou outro padre conciliar) para mim esses anos – anos da Concilium que a Helena Vaz da Silva espalhou por Portugal e pelo Brasil – foram anos milagrosos. Quem me tirasse esses anos não me tirava tudo, mas tirava-me muito. Como escreveu José Bergamín, esses foram anos em que ‘on respire au Vatican/Une aura si idyllique/Que le Diable devient chrétien/Tout en restant catholique’.»

Um excerto retirado de Joao Bénard da Costa, «Crónicas: Imagens Proféticas e Outras» (1º volume), Lisboa 2010, págs. 78-81

sábado, 30 de junho de 2012

A Caminho do Vaticano III?

«Durante esta semana, em Santander, na UIMP (Universidade Internacional Menéndez Pelayo), realizou-se um Curso de Verão sobre os 50 anos do Concílio Vaticano II (1962-1965). A direcção pertenceu ao teólogo Juan José Tamayo. O Concílio foi um enorme acontecimento. Sem ele, é inimaginável a situação da Igreja Católica e, consequentemente, dada a sua influência no mundo, também do próprio mundo. Como sublinhou Tamayo, operaram-se grandes transformações:

De uma Igreja que se considerava uma sociedade perfeita passou-se à Igreja como comunidade de crentes. Do mundo como inimigo da alma ao mundo como lugar da vivência da fé. Da condenação da modernidade e das religiões não cristãs ao diálogo multilateral. Da condenação dos direitos humanos ao seu reconhecimento e proclamação. Da condenação da secularização à sua defesa, no sentido do reconhecimento da autonomia das realidades temporais. Da Igreja imutável e imóvel à Igreja que deve estar em constante reforma. Do integrismo católico ao respeito pelas outras crenças. Do autoritarismo centralizado em Roma à colegialidade episcopal. Da Cristandade ao cristianismo. Da pertença à Igreja como condição necessária para a salvação à liberdade religiosa como direito humano fundamental. De uma Igreja europeia a uma Igreja verdadeiramente universal.

Houve limites? Alguns, maiores: apesar de certa abertura ao mundo, o seu carácter eurocêntrico - o horizonte de compreensão foi a modernidade europeia e, nesse quadro, a problemática da crise de Deus no mundo ocidental e o fenómeno da descrença -, e a não centralidade da opção pelos pobres, não se dando a devida atenção às maiorias populares do Terceiro Mundo. O Ocidente acabou por ser o destinatário principal do Concílio. Depois, o antropocentrismo exacerbado fez com que a problemática da ecologia fosse ignorada.

Alguns temas foram silenciados. O Papa Paulo VI impediu que o tema do celibato dos padres fosse debatido - mais tarde, num Sínodo Episcopal, submeteu-o a votação, mas a maioria dos bispos opôs-se. O lugar das mulheres na Igreja e, concretamente, a sua ordenação, bem como o controlo da natalidade, foram arredados do debate.

No dizer de Tamayo, "o Concílio foi uma curta Primavera a que se seguiu um longo Inverno, que dura há mais de 40 anos". Perante os excessos de então, Paulo VI, que tinha convictamente levado a termo o Concílio, mas que era um intelectual hesitante, teve receio e começou a pôr algum travão, numa história de avanços e recuos. Depois, já com João Paulo II, avançou a involução e pôs-se em marcha "um programa calculado de restauração". Acentuou-se o carácter hierárquico-papal da Igreja, limitou-se a liberdade de investigação teológica, muitos teólogos foram condenados, passou-se do pensamento crítico ao pensamento único e dogmático, a Cúria readquiriu poder, os bispos conciliares foram sendo substituídos por bispos fiéis ao neoconservadorismo e ao Vaticano.

Com Bento XVI, que constituiu uma surpresa pela sua humanidade, por medidas fortes contra o clero pedófilo, pela admiração por parte dos intelectuais, o caminho da involução continua: aí estão a restauração da Missa em latim, as negociações com os lefebvrianos, a condenação de teólogos, a centralização. Perante a grave crise que atravessa hoje a Igreja, muitos reclamam um novo Concílio: um Vaticano III, convocado por um João XXIV. Mas há quem, para lá de outras objecções, lembre a questão financeira: um novo Concílio seria demasiado caro.

Pergunta-se, então, se não deveria dar-se, pelo menos, a convocação dos Presidentes de todas as Conferências Episcopais do mundo - há quem, com razão, questione a utilidade do cardinalato -, para resolver problemas urgentes: os escândalos no Vaticano, a questão do celibato, o lugar da mulher na Igreja, reformas das estruturas eclesiásticas, maior descentralização, uma linguagem nova para a expressão da fé, questões novas postas pela globalização e pelas novas tecnologias, tanto no domínio da comunicação como no da vida.»

Anselmo Borges, in Diário de Notícias - 30 de Junho de 2012

sábado, 23 de junho de 2012

Mundo: de Inimigo a Interlocutor



Será já na próxima semana a IV sessão das comemorações dos 50 anos de abertura do II Concílio Vaticano II: «Mundo: de Inimigo a Interlocutor».

A sessão será na próxima Quinta-Feira, dia 28 de Junho, às 21h30, e não dia 29 como previsto, devido à realização de um concerto musical neste dia na Serra, organizado pela Câmara Municipal de V. N. Gaia.

O local é o do costume: o belo Salão Nobre do Quartel da Serra do Pilar, e o convite, claro, é gratuito e aberto a todos.


«Para os que têm fé, uma coisa é certa: a actividade humana, individual e colectiva, ou aquele esforço gigante, com que os homens se atarefam ao longo dos séculos para melhorar as condições de vida, considerado em si mesmo, corresponde à vontade de Deus.» GS 34

sábado, 9 de junho de 2012

Celebrar e viver o Concílio Vaticano II - nota da CEP

Foto




Celebrar os 50 anos da abertura do Concílio no Ano da Fé

1. Na Carta apostólica A Porta da Fé, assim se exprime o Papa Bento XVI: «Pareceu-me que fazer coincidir o início do Ano da Fé com o cinquentenário da abertura do Concílio Vaticano II poderia ser uma ocasião propícia para compreender que os textos deixados em herança pelos Padres Conciliares, segundo as palavras do Beato João Paulo II, “não perdem o seu valor nem a sua beleza (…). Sinto hoje, ainda mais intensamente, o dever de indicar o Concílio como a grande graça de que beneficiou a Igreja no século XX: nele se encontra uma bússola segura para nos orientar no caminho do século que começa”. Quero aqui repetir, com veemência, as palavras que disse a propósito do Concílio, poucos meses depois da minha eleição para Sucessor de Pedro: “Se o lermos e recebermos, guiados por uma justa hermenêutica, o Concílio pode ser e tornar-se cada vez mais uma grande força para a renovação sempre necessária da Igreja”» (Bento XVI, Carta apostólica Porta Fidei, 2011.10.11, n. 5)
Celebrar o cinquentenário do Concílio, nestes tempos em que a fé deixou de ser um dado evidente, há de ser uma ocasião para aprofundarmos tão grande dom de Deus, que nos faz experimentar a alegria e o entusiasmo do encontro com Cristo na comunidade da sua Igreja. Se a nossa fé não se renova, facilmente degenera num adorno espiritualista e as práticas religiosas não passam de rituais sem alma e coração. Para nada serve o sal que perdeu a força e a luz que fica escondida (cf. Mt 5, 13-16).
Não basta mostrar a nossa concordância com os documentos do Concílio Vaticano II e o Catecismo da Igreja Católica, publicado há 20 anos como sua aplicação catequética. É preciso fazer descer à prática quotidiana a riqueza dos seus ensinamentos. Pelos frutos de caridade se conhece a árvore da nossa fé (cf. Mt 7, 17-20). É preciso que a nossa fé encarne num estilo de vida cristã, na família e no trabalho, na vida social e política. Cristo exorta-nos à coerência entre fé e vida real: «Nem todo o que me diz: “Senhor, Senhor” entrará no Reino do Céu, mas sim aquele que faz a vontade de meu Pai que está no Céu» (Mt 7, 21). E S. Tiago recorda-nos que «a fé sem obras está morta» (Tg 2, 26), é inexistente.

Pôr em prática o Concílio
2. A convocação do Concílio Vaticano II deuse 90 anos depois da realização do Concílio Vaticano I, que foi interrompido abruptamente dadas as convulsões pela unificação de Itália, a 18 de dezembro de 1870. A 25 de janeiro de 1959, na Basílica de S. Paulo extramuros, João XXIII, eleito apenas três meses antes, anunciou, inesperada e solenemente, a convocação de um Concílio ecuménico. Tinha em mente não apenas «o bem estar do povo cristão», mas também um convite às «comunidades separadas para a busca da unidade». Sem consultas prévias aos Bispos da Igreja universal, como tinha feito Pio IX antes da convocação do Concílio Vaticano I, João XXIII decide esta convocação «por uma repentina inspiração de Deus», apelidando este Concílio como «flor espontânea de uma inesperada primavera». A Igreja viveu «um novo Pentecostes», como chamou o mesmo Papa ao Concílio. Um dinamismo de renovação foi experimentado na Igreja, aos mais diversos níveis e quadrantes geográficos.
O Papa Paulo VI, na Carta apostólica em que declara encerrado o Concílio, confirma e exorta ao seu cumprimento, assim afirma: «Foi o maior Concílio pelo número de Padres, vindos de todas as partes da terra, mesmo daquelas onde só há pouco foi constituída a hierarquia; foi o mais rico pelos temas que, durante quatro sessões, foram tratados com empenho e perfeição; foi o mais oportuno, enfim, porque tendo em conta as necessidades dos nossos dias, atendeu sobretudo às necessidades pastorais e, alimentando a chama da caridade, esforçou-se grandemente por atingir com afeto fraterno não só os cristãos ainda separados da comunhão da Sé Apostólica, mas até a inteira família humana» (Paulo VI, Carta apostólica In Spiritu Sancto, 1965.12.08)
A Igreja de Cristo é hoje a Igreja do Concílio Vaticano II, que nos compete continuar a aplicar com fidelidade criativa. Queremos dar graças a Deus por este Concílio providencial que continua a inspirar a Igreja. No decurso do movimento de renovação conciliar, ocorreram hesitações e desvios, que não se podem atribuir a este evento de grandeza ímpar, que João Paulo II apelidou de «seminário do Espírito Santo», aberto ao mundo. Felizmente a receção do Concílio Vaticano II deuse entre nós de um modo globalmente positivo. A celebração do presente aniversário deve levarnos a um exame de consciência, pessoal e comunitário, para vermos o que falta fazer para implementar o espírito e a letra do Concílio.

Iniciativas pastorais para viver o Concílio
3. O Santo Padre quis fazer coincidir o início do Ano da Fé com a celebração do cinquentenário da abertura do Concílio Vaticano II. Assim, recordamos a importância de integrar nos nossos planos pastorais as indicações gerais e as propostas de ação que se encontram na citada Carta apostólica Porta Fidei do Papa Bento XVI e na Nota com indicações pastorais para viver o Ano da Fé. (Congregação para a Doutrina da Fé, Nota com indicações pastorais para o Ano da Fé, 2012.01.06)     
Os Bispos da Igreja em Portugal exortam os agentes pastorais, a nível de dioceses, paróquias, congregações, movimentos e os responsáveis das mais diversas instituições eclesiais, que promovam o estudo, a reflexão e a aplicação do Concílio Vaticano II, sobretudo dos documentos mais relevantes, as Constituições: Lumen gentium, sobre a santa Igreja; Sacrosanctum Concilium, sobre a sagrada Liturgia; Dei Verbum, sobre a Revelação divina; e Gaudium et spes, sobre a Igreja no mundo contemporâneo.
Propomos que as atividades e iniciativas programadas, como cursos, jornadas, pregações, retiros, encontros, peregrinações, intervenções na comunicação social e a própria oração, possam abordar temas na linha das efemérides celebradas.
O momento celebrativo, a nível nacional, será a 13 de outubro, em Fátima, aproveitando a habitual peregrinação e praticamente em coincidência com a data da abertura do Concílio há 50 anos. Fraternalmente unidos, agradeceremos a Deus a grande graça do Concílio Vaticano II, que ainda hoje continua a ser bússola segura que norteia a vida e a ação da Igreja de Cristo. (...)
As próximas Jornadas Pastorais do Episcopado, em junho, serão também momento de reflexão para avaliar o que já se fez com vista a pôr em prática o Concílio e para projetar o que ainda falta fazer. Todos precisamos de nos examinar para ver o que o Espírito diz à Igreja em Portugal, a fim de continuar a experiência de Pentecostes do Vaticano II.
O dinamismo de renovação conciliar deve também passar pelo projeto em que está envolvida a Igreja nos últimos tempos: «Repensar juntos a Pastoral da Igreja em Portugal», no horizonte da nova evangelização. Celebrar o Concílio Vaticano II não significa recordá-lo em clima de nostalgia do passado, mas revivê-lo e projetá-lo, na abertura ao futuro onde Deus nos espera. Cabenos a missão de pôr sempre mais em prática o Vaticano II, um Concílio com 50 anos de atualidade.
Fátima, 19 de abril de 2012
Conferência Episcopal Portuguesa

quinta-feira, 17 de maio de 2012

IV Sessão, «A Liturgia a Partir de Baixo», 26 Maio



Será no próximo dia 26 de Maio, Sábado, a partir das 16h30, a IV sessão das comemorações dos 50 anos do Concílio Vaticano II. Será com Ângelo Cardita, com o tema «A Liturgia a partir de baixo». Na Comunidade Cristã da Serra do Pilar. Contamos com todos!


«As acções litúrgicas não são acções privadas, mas celebrações da Igreja, que é 'sacramento de unidade', isto é, povo santo reunido e ordenado sob a direcção dos bispos.
Por isso, tais acções pertencem a todo o Corpo da Igreja, manifestam-no e afectam-no; porém, atingem cada um dos seus membros de modo diverso, segundo a diversidade dos estados, das funções e da actual participação.»

Sacrosanctum Concilium nº26

segunda-feira, 7 de maio de 2012

K. Rahner, «Marcha para o Gueto»

Um texto do teólogo alemão K. Rahner, de nome «Marcha para o Gueto», escrito em 1972 por motivo do fim de uma revista católica alemã, a «Publik», e publicado de novo agora no livro «Clamor contra el Gueto», da Editorial Trotta.

(Um pedido particular: sr.º António Coelho, agradecemos os comentários que nos enviou, mas como se tratam de questões particulares, pedimos que nos envie o seu endereço de email para podermos efectuar uma resposta. Obrigado).


«Aqui não falarei do naufrágio da Publik ainda que muitos considerem esse naufrágio como um sintoma de que aqueles que são os responsáveis por tal naufrágio (aos quais pertencem não só representantes da ‘Igreja-Instituição’ em sentido estrito, senão também muitos outros que configuram ‘o ambiente’) estão animados por uma vontade oculta de retrocesso do catolicismo alemão para o gueto, ainda que não confessem tal vontade nem a si mesmos nem muito menos aos demais. Também se sublinha que tais sintomas se multiplicam no catolicismo alemão.

A vontade de gueto que se esconde a si mesma consiste em querer manter o catolicismo alemão e a Igreja Católica alemã tal como eram antes: um grupo muito homogéneo em si mesmo na fé, na praxis e na reacção diante do ambiente social, um grupo claramente delimitado face ao exterior, que estava orgulhoso da sua unidade e do significado que tinha para o exterior. Sabia expressar as suas íntimas convicções de fé em preceitos práticos e modelos de comportamento de forma relativamente rápida e com uma adesão quase geral de todo o grupo.

Era um grupo que praticamente estava representado num partido político. Vivia, sem realmente dar-se conta, uma ‘religião’ que no geral e no seu estilo concreto, apesar de toda a sua pretensão de universalidade, correspondia a um grupo social pequeno-burguês e camponês. Propunha uma mensagem válida para todos e, por outro lado, não se sentia especialmente intranquilo no seu particularismo de índole confessional, política e cultural, porque para si mesmo era numeroso e socialmente não estavadesprovido de poder.

Deveria ficar claro que de facto não se pode voltar a tal catolicismo, e também que a intenção de semelhante retorno contradiz o espírito do último Concílio. Esta consideração repercute-se no facto de que ninguém em geral confessará que deseja um retorno ao monolitismo da época de Pio XII e ao gueto. Mas, não acontece que tal vontade de retorno se verifica de facto em muitas manifestações concretas da vida eclesial e precisamente sem nenhuma teoria explícita sobre o gueto?

Fala-se de um ‘pequeno rebanho’. Mas de forma não reflectida este é concebido segundo o modelo de uma seita que não quer de maneira nenhuma estar aberta à totalidade da sociedade e da cultura, querendo pelo contrário ser considerada como um ‘resto santo’, sem entregar-se com seriedade à missão universal da mensagem do Evangelho e da Igreja. Identifica-se de forma demasiado simples fé cristã e teologia e por isso todo o pluralismo teológico –por vezes incómodo, certamente – é tratado como uma ameaça à unidade da fé.

Mantém-se o consagrado através do uso tradicional, por mera rotina, como o justo meio com o qual se há de defender de tudo o que é novo, e não se tem em conta que também a rotina pode ser muito ‘extremista’. O pequeno número dos ‘praticantes’ cristãos de outras igrejas se converte em argumento de que não haveria de se esforçar particularmente em oferecer ao maior número possível de pessoas um cristianismo que lhes seja hoje realmente assimilável.

Coisas secundárias, de cuja relatividade não se pode de maneira nenhuma pôr em causa, tornam-se na prática ponto fixos absolutos, a partir dos quais se calcula e decide toda a estratégia eclesial e político-espiritual. Esquece-se que também existe um ‘tuciorismo’ (nome de um sistema moral extremado que,sobrevalorizando o axioma jurídico ‘na dúvida há-que escolher pela parte maissegura’, exige para actuar moralmente, inclusive de entre o que é possivelmente válido, a máxima segurança de opinião) do risco que em casos determinados oferece mais perspectiva de vitória que uma precaução esterilmente prudente. Apenas se arrisca realizar ‘experiências’ que não o são, porque, acabem como acabarem, não afectam a ninguém.

Existe uma pseudoteologia da marcha em direcção ao gueto, uma vontade de tal, nascida do medo, do desencanto pelos contratempos, da preocupação justificada ainda que temerosa pelo Evangelho e pela Igreja. Diante de tal pseudoteologia, inclusive não sendo reflectida e associada a um sistema, deve-se hoje estar atentos.»

segunda-feira, 30 de abril de 2012

A Condição Batismal e o Papel da Mulher na Igreja

Foi na passada sexta-feira, 27 de Abril, que a caríssima teóloga e religiosa da Congregação das Franciscanas Missionárias de Maria, Sara Renca, nos partilhou uma clara e fundamentada conferência sobre a Condição Batismal e o Papel da Mulher na Igreja tal como apontou o Concílio Vaticano II.

Foram essencialmente três os eixos nos quais esta Engenheira de Minas de formação partiu para abordar o tema: a passagem de Lg 9 e 32, a leitura de Gen 1,26-28, e a própria actuação de Jesus junto das mulheres do seu tempo, como o podemos entrever em passagens como Jo 8,1-11. Dos três eixos destaca-se como, ao longo das Escrituras como no próprio Concílio, o papel da mulher foi reconhecido como de igual dignidade e condição face ao homen, mesmo em contextos culturais nos quais tal não era evidente, e continua a não o ser.

No próprio Novo Testamento, 20% dos nomes próprios reconhecidos nos discípulos de Jesus pertencem a mulheres; são muitas as que surgem na longa lista de saudações enviadas pelo Apóstolo Paulo em Rom 16. Diversos indícios permitem sugerir que, num contexto cultural adverso, as mulheres desempenham um papel activo no cristianismo nascente, numa dignidade activa que foi concedida pelo próprio Jesus, acompanhado ao longo do seu ministério por mulheres - outro elemento que constitui uma novidade no seu tempo.

E em relação ao papel da mulher, hoje, na Igreja? Este foi o tema que esteve de modo latente presente na assembleia mas que a conferencista- e muito bem - optou por fundamentar primeiro com o percurso bíblico e conciliar sobre a igual dignidade e condição da mulher. O que obriga a retirar consequências práticas, hoje também - ou então não seria necessário este tema de conferência, como bem realçou Sara Renca no início do encontro. E aqui, entram sobretudo o tempo e o diálogo - diálogo que a conferencista realçou por diversas vezes que o Magistério se encontra disponível, a partir da homilia da Missa Crismal deste ano de Bento XVI. Trata-se, no fundo, de continuar a descobrir o que proclamou Paulo VI na Mensagem de Conclusão do Concílio Vaticano II:

«A Igreja orgulha-se, como sabeis, de ter dignificado e libertado a mulher, de ter feito brilhar durante os séculos, na diversidade de caracteres, a sua igualdade fundamental com o homem. Mas a hora vem, a hora chegou, em que a vocação da mulher se realiza em plenitude, a hora em que a mulher adquire na cidade uma influência, um alcance, um poder jamais conseguidos até aqui.»


segunda-feira, 23 de abril de 2012

A Condição Batismal e o Papel da Mulher


Será já na próxima Sexta-Feira, dia 27 de Abril, a partir das 21h30, a terceira sessão do Ciclo de Conferências dedicado à celebração dos 50 anos do Concílio Vaticano II. Desta vez o tema será a «A Condição Batismal e o Papel da Mulher», e será orientado por Maria Sara Renca. O local, é o do costume: o belo Salão Nobre do Quartel da Serra do Pilar, em Vila Nova de Gaia. Contamos consigo!


«É uno o povo eleito de Deus: 'um só Senhor, uma só fé, um só batismo' (Ef 4,5);
comum é a dignidade dos membros, pela sua regeneração em Cristo,
comum a graça de filhos, comum a vocação à perfeição,
uma só salvação, uma só esperança e uma caridade indivisível.
Nenhuma desiguldade existe em Cristo e na Igreja,
por motivo de raça ou de nação, de condição social ou de sexo,
'pois não há judeu nem grego; não há escravo nem livre;
não há homem e mulher; porque todos sois um em Cristo Jesus' (Gal 3,28; cf. Cl 3,11).»

Lumen Gentium 32

sábado, 17 de março de 2012

50 Anos Depois...

Este ano passam 50 anos sobre um dos acontecimentos mais importantes do século XX: o Concílio Vaticano II, que o Papa João XXIII abriu em Outubro de 1962. Sem ele, é impossível imaginar o que seria hoje a Igreja Católica e, por arrastamento, o mundo.

Quem não viveu a situação e quiser aproximar-se do que era então a Igreja vá ler os manuais de teologia dogmática, de teologia moral, de direito canónico, de liturgia, pelos quais estudavam os futuros padres antes do Concílio. Pense-se, por exemplo, que, na década de 50 do século XX, ainda se proibia às freiras a leitura da Bíblia e que estava em vigor o Índex ou catálogo dos livros proibidos aos católicos, onde figuravam não só teólogos e críticos da Igreja, mas também os pais da ciência e da filosofia modernas e grandes nomes da literatura.

Quando se lê essa lista, se não se mantiver algum humor, fica-se atónito. Depois, é preciso lembrar que, por exemplo, o insigne renovador da moral católica, padre B. Hãring, escreveu, pouco antes de morrer, que tinha passado por dois processos na sua vida - o que lhe fez a Gestapo na segunda guerra mundial e o que lhe fez o Santo Ofício em Roma - e assegurava que o da Gestapo tinha sido mais suportável do que o do Santo Ofício. E o padre Y. Congar, eminente professor de teologia e, no final da vida, nomeado cardeal, escreveu à mãe, já anciã, a partir da sua experiência de censura por parte do Vaticano: "Praticamente destruíram-me. Na medida da sua capacidade destruíram-me. Não tocaram o meu corpo; em princípio, não tocaram a minha alma. Mas a pessoa de um homem não se limita à sua pele e à sua alma. Sobretudo, quando esse homem é um apóstolo doutrinal, ele é a sua actividade, é os seus amigos, as suas relações, é a sua irradiação normal. Tudo isto me tiraram; espezinharam tudo isso, e feriram-me profundamente. Reduziram-me a nada e, consequentemente, destruíram-me. Em certos momentos, sou prisioneiro de um imenso desconsolo."

O Vaticano II foi, depois da decisão, logo no início, da aberrora do cristianismo aos gentios, o acontecimento mais importante para a história da Igreja. Foi a partir dele que ela se viu como verdadeiramente Universal, já não romanocêntrica, com sucursais ou filiais espalhadas pelo mundo. A Cúria Romana, mesmo que de forma tímida, internacionalizou-se, e as Conferências episcopais adquiriram autonomia. 0s leigos assumiram responsabilidades na Igreja, que se autocompreendeu mais como Povo de Deus.
A Igreja tentou então uma reconciliação com a modernidade, estabeleceu-se uma atitude fundamentalmente positiva em relação à democracia, à ciência, ao progresso, afirmou-se claramente a liberdade religiosa e de consciência, os direitos humanos foram inequivocamente afirmados, reconheceu-se a separação da Igreja e do Estado, do poder religioso e do poder político, a autonomia das realidades terrestres, da ciência, da economia, da política, da própria moral. Abriu-se uma era ecuménica, assumindo a Igreja muitas das exigências da Reforma. Outras comunidades cristãs foram reconhecidas como Igrejas, as celebrações litúrgicas viram consagrado o uso das línguas vernáculas, o padre deixou de celebrar de costas para o povo, a Bíblia tomou o seu lugar central na liturgia, na pregação e na vida dos crentes, e o seu estudo histórico-critico devia ser continuado. Condenou-se o anti-semitismo com o qual a Igreja tinha sido cúmplice, abriu-se um caminho novo de respeito, de diálogo e cooperação com todas as religiões e também com os não crentes.

A Igreja encontra-se hoje numa crise, que alguns, sem razão, querem atribuir ao ConCÍlio. Passados 50 anos, é tempo para celebrar e sobretudo para reflectir. Há dias, o novo bispo de Lamego, António Couto, foi dizendo, com razão, que, infelizmente, a Igreja comunica a sua mensagem de forma "chata". Julgo que é preciso ir mais longe e perguntar se a Igreja anuncia e pratica verdadeiramente o Evangelho enquanto notícia felicitante ou, pelo contrário, tantas vezes, o Disangelho (má notícia), como denunciou Nietzsche.
Anselmo Borges, In Diário de Notícias, 17 de Março de 2012

quinta-feira, 15 de março de 2012

A Hora do Concílio é Hoje


1. No programa de actividades do centro cultural Le Saulchoir (Paris), para 2011-2012, consta um seminário de mestrado subordinado à questão: "Haverá futuro para as religiões nas sociedades secularizadas?" Essa pergunta supõe que as religiões perderam, desde há várias décadas, o monopólio da oferta de um sentido para a aventura humana. A descristianização das sociedades europeias, a desinstitucionalização da prática religiosa, a subida crescente do pluralismo religioso e do individualismo em todos os aspectos da vida em sociedade, o aumento crescente do poderio da técnica apresentam-se como sinais da pluralização do sentido. Mas estaremos condenados a renunciar a toda e qualquer representação religiosa ou espiritual do sentido da existência humana, individual e colectiva?
Dada a complexidade e amplidão do fenómeno, é normal que o seminário tenha convocado especialistas nas áreas da Filosofia, da Ética, da Teologia, da Antropologia e da História. As religiões valem enquanto expressões da vida profunda. A denúncia das suas imposturas e a desconstrução das suas representações insensatas - de que Jesus Cristo foi um mestre incomparável - não podem esquecer os seus imensos recursos, na diversidade das suas formas, para configurar o sentido da aventura humana. Como dizia José Régio, os que falam da religião como alienação suprema não podem compreender de quantas alienações ela nos liberta. A esperança de que a própria morte é trânsito misterioso para o grau mais evoluído da existência é profundamente humanista.
2. As lideranças que não assumem a historicidade das expressões e organizações religiosas confundem a fidelidade com idolatrias dogmáticas e não enxergam o anacronismo dos preceitos que não respeitam os direitos humanos. As religiões vivem da comunhão dos tempos, mas, segundo Jesus Cristo, o espírito do vinho novo pede odres novos para não deitar tudo a perder. Sem a clarividência e a divina coragem do Papa João XXIII - um velho com sonhos – a Igreja Católica Romana não teria vivido a grande revolução que nenhuma traição ou eclipse poderá apagar. As investigações, colóquios, debates, conferências e publicações em curso sobre o papel do Vaticano II vão ter frutos. John W. O"Malley (What Happened at Vatican II) retraçou, de forma exemplar, o que aconteceu, desde o seu anúncio, a 25 de Janeiro de 1959, até à celebração da sua clausura, a 8 de Dezembro de 1965. Faz reviver, passo a passo, os grandes debates conciliares, o trabalho das comissões e as relações, por vezes difíceis, entre Paulo VI e a assembleia dos bispos. Mas, ao destacar as diferentes correntes que se afrontaram, evita a sua caricatura e as leituras simplistas de uma oposição evidente e renhida entre progressistas e conservadores.
É evidente que já não estamos em 1959 nem no ano 2050, mas é precisamente a ruptura e a comunhão dos tempos que exige perguntas básicas. O que representou o concílio para as gerações que o viveram? O que aconteceu para passar a ser ignorado ou silenciado durante décadas? O que fazer agora para que as gerações actuais de católicos - num mundo onde se alargam as desigualdades, cresce a pobreza e se agrava a crise ambiental - assumam, com todos os seres humanos de boa vontade, religiosos ou não, a reconfiguração de um presente que escute as vozes do passado e se abra o futuro? O puro actualismo é uma ficção. A história é uma caixa de surpresas. Não temos o mundo com que sonhámos. Por outro lado, o ritmo das mudanças, sobretudo a nível científico e técnico - com repercussões em todas as áreas, mesmo na religiosa -, é tão rápido que, em muito pouco tempo, o que era solução aparece como problema.
3. Dir-se-á que isto é uma cedência ao relativismo, uma indiferença aos valores perenes. Talvez não. É uma cautela com os projectos megalómanos que esquecem a historicidade da nossa condição humana e, portanto, também da condição da Igreja, que ganhará com uma espiritualidade do provisório. Se uns gostam de rezar, "assim como era no princípio agora e sempre pelos séculos dos séculos", outros preferem a oração do "pão nosso de cada dia", recomendada pelo próprio Jesus. Tomar a sério a interfecundidade do diálogo com ateus, agnósticos, com outras configurações religiosas do Oriente e do Ocidente, com outras Igrejas cristãs é um imperativo do concílio. O mistério de Deus e do mundo é maior do que as querelas vãs em que nos perdemos.
A importância da família - com as suas diferentes tradições e as suas metamorfoses - deve estimular a Igreja Católica a repensar as uniões de facto, o casamento civil, o divórcio e o recasamento. Todas essas situações podem ajudar a Igreja a descobrir mundos que tende a ignorar e situações que precisam de evangelização. A teologia dos ministérios ordenados - serviços da comunidade cristã - precisa de ser repensada. Uma doutrina que impede as mulheres de poderem ser chamadas a receber o sacramento da Ordem continua a semear a desordem na Igreja. O documento conciliar Gaudium et Spes - Alegria e Esperança - sobre a Igreja no mundo contemporâneo é, por natureza, provisório. O seu espírito exige uma reencarnação contínua.

Frei Bento Domingues O.P., in Público, 26 de Fevereiro de 2012

sábado, 18 de fevereiro de 2012

A Igreja: um Povo?! - 24 Fevereiro 2012



«Este Povo Messiânico tem por Cabeça Cristo, «o qual foi entregue por causa das nossas faltas e ressuscitado por causa da nossa justificação» (Rom. 4,25) e, tendo agora alcançado um nome superior a todo o nome, reina glorioso nos céus. 
 Tem por Condição a dignidade e a liberdade dos filhos de Deus, em cujos corações o Espírito Santo habita como num templo.
 A sua Lei é o novo mandamento, o de amar assim como o próprio Cristo nos amou (cfr. Jo. 13,34).
 Por último, tem por Fim o Reino de Deus, o qual, começado na terra pelo próprio Deus, se deve desenvolver até ser também por ele consumado no fim dos séculos, quando Cristo, nossa vida, aparecer (cfr. Col. 3,4) e «a própria criação for liberta do domínio da corrupção, para a liberdade da glória dos filhos de Deus» (Rom. 8,21).»

(Lumen Gentium 9)




É já na próxima Sexta-Feira, 24 de Fevereiro, às 21h30, que se realizará o II Encontro sobre os 50 anos do II Concílio Vaticano:


A Igreja: um Povo?!




Será no "local do costume", o Mosteiro da Serra do Pilar, em Vila Nova de Gaia.





Largo de Avis (junto à ponte D. Luis), 4300 Vila Nova de Gaia

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

25 de Janeiro de 1959

A 25 de Janeiro de 1959, numa alocução aos Cardeais reunidos na Basílica de S. Paulo Extra-Muros em Roma, anunciou João XXIII: «Anunciamos diante de vós, tremendo um pouco de emoção, mas com uma humilde resolução, o nome e a proposta de uma dupla celebração: a de um Sínodo Diocesano para a Urbe (Roma), e a de um Concílio Ecuménico para a Igreja Universal.» A par destas duas iniciativas, o Papa pedia uma actualização do Código de Direito Canónico (encontrava-se em vigor o Código de 1917).

Não deixa de ser interessante como o próprio Papa Roncalli descreve, no seu diário, o processo que levaria a esta decisão. Ele próprio compreende que a sua eleição como Papa seria para um período curto e transitório, dada a sua idade avançada:

«Quando a 28 de Outubro de 1958 os cardeais da Santa Igreja Romana me designaram para a suprema responsabilidade do governo do rebanho universal do Cristo Jesus, aos setenta e sete anos de idade, difundiu-se a convicção de que eu seria um Papa provisório de transição. Em vez disso eis-me na véspera do quarto ano de pontificado, perante a visão de um robusto programa a desenvolver diante do mundo inteiro que nos observa e espera.» (escrito a 10 de Agosto de 1961).

João XXIII afirma repetidas vezes que a ideia da convocação de um Concílio lhe surgiu de um modo inesperado, sem ter recebido alguma sugestão ou opinião, e sem ter debatido a questão com algum conselheiro. A 15 de Setembro de 1962, o Papa no seu diário agradece a graça «de me terem surgido como simples e imediatas de execução algumas ideias nada complexas, antes simplicissimas, mas de vasta responsabilidade dianto do futuro, e com sucesso imediato (…) Sem o ter pensado antes, surgiu-me num primeiro colóquio com o meu Secretário de Estado, a 20 de Janeiro de 1959, as palavras Concílio Ecuménico, Sínodo Diocesano e recomposição do Código de Direito Canónico, sem o ter pensado antes, e contrariamente a qualquer suposição ou imaginação minha sobre este ponto. O primeiro a ficar surpreendido com esta minha proposta fui eu próprio, sem que alguém me tenha alguma vez dado alguma sugestão. E no entanto tudo me pareceu depois tão natural no seu desenrolar imediato e contínuo. E depois de tres anos de preparação, laboriosos é certo, mas também felizes e tranquilos, eis-me agora ao sopé da santa montanha. Que o Senhor nos sustente em conduzir tudo a um bom termo.»

E, a 11 de Outubro de 1962, dia da Inauguração do Concílio, escreve: «Este dia assinala a abertura solene do Concílio Ecuménico. A notícia surge em todos os jornais, e em Roma encontra-se no coração exultante de todos. Agradeço ao Senhor que me permitiu não ser indigno da honra de abrir em seu nome este início de grandes graças para sua Igreja Santa. Ele fez com que a primeira semente que possibilitou, durante três anos, este acontecimento saísse da minha boca e do meu coração.»

(Para conhecer um pouco da biografia de João XXIII, basta clicar aqui)



sábado, 21 de janeiro de 2012

Uma Janela Aberta para o Mundo - 20 Janeiro 2012


Tal como o previsto e, ao mesmo tempo, muito para além das expectativas: tal foi a sessão inaugural deste ano dedicado, na Comunidade Cristã da Serra do Pilar, aos 50 anos do início do II Concílio Vaticano. Desde logo pelo número bastante grande de pessoas presentes, muitas das quais cuja presença não é habitual na comunidade. Depois pela bela conferência partilhada pelo pe. Arlindo Magalhães.

Torna-se fácil falar dos temas e das experiências que nos apaixonam; desde logo foi a frase de abertura da conferência: "O Concílio foi o acontecimento mais marcante da minha vida". Um Concílio que tantas expectativas criou, na Igreja como fora nela, e que tantas "ondas" levantou, numa Igreja que, ainda bem, é um organismo vivo e por isso com conflitos, dramas, tensões, experiências. Um Concílio que surgiu de modo inesperado da sabedoria e génio do Papa João XXIII mas que, como bem o reflectimos nesta noite, foi um Concílio nascido e pedido pelos movimentos de renovação pastoral, eclesial, bíblica, teológica e litúrgica que, desde a segunda metade do século XIX, foram crescendo no seio da Igreja. O 20º Concílio na história da Igreja, mas um Concílio inédito tanto pelo número de bispos presentes (cerca de dois mil), como pela presença de observadores, tanto de leigos como de líderes de outras Igrejas Cristãs e de outras Religiões.

Ao pedido fundamental do Papa João XXIII - o de um Concílio Pastoral, que se dedicasse à relação da Igreja com o Mundo e à renovação da linguagem da Fé - respondeu o Concílio com uma série de mudanças que renovaram por completo a compreensão que a Igreja tem de si própria assim como da sua relação com o Mundo e as Outras Igrejas e Religiões. Questões como a "igualdade fundamental dos crentes" (LG 32), a identificação com as "alegrias e esperanças, as tristezas e as angústias dos homens do nosso tempo" (GS 1), a reflexão sobre a Revelação e a Tradição ou a Reforma Litúrgica são algumas, entre outras, às quais nos dedicaremos a reflectir durante este ano. Entre todas, destaca-se o esquema utilizado na elaboração do documento Lumen Gentium, na qual o capitulo sobre a Igreja como Povo se encontra antes dos capítulos sobre a Hierarquia, os Leigos e os Religiosos: trata-se de uma verdadeira "Revolução Copernicana".

A expressão "Revolução Copernicana" foi utilizada pelo cardeal Suenens, em 1970, num congresso celebrativo do Concílio, 5 anos depois do seu final, pela revista Concilium, que editou um número especial com as intervenções do Congresso. Dizia Suenens, referindo-se à inversão que a noção de Povo causou - tratar-se do Povo antes do Papa e dos Bispos! -: “esta inversão impõe-se-nos como uma espécie de constante revolução mental, cujas consequências ainda não acabamos de medir!"

E hoje, onde encontramos presentes estas linhas fundamentais que o Concílio traçou? Na prática pastoral, na reflexão teológica, nos pronunciamentos do Magistério, na vida das Comunidades? Fará o Concílio parte apenas da história, para ser recordado com saudade ou com ironia? São retiradas todas as consequências destas intuições e revoluções? Precisa o Concílio de ser interpretado ou de ser aplicado, pergunta esta que foi lançada durante a conferência. Cerca de 120 pessoas, numa noite não excessivamente fria (temperada até, depois, com um cházinho), no belo salão nobre do quartel do RA5 da Serra do Pilar. Fica o próximo encontro, 24 de Fevereiro, à mesma hora.


terça-feira, 17 de janeiro de 2012

O Vento


O Vento sopra contra

As janelas fechadas

Na planície imensa
Na planície absorta,
Na planície que está morta

E os cabelos do ar ondulam loucos
Tão compridos que dão a volta ao mundo

Sento-me ao lado das coisas
E bordo toda a noite a minha vida

Aqueles dias tecidos
Que tinham um ar de fantasia
Quando vieram brincar dentro de mim

E o vento contra as janelas
Faz-me pensar que eu talvez seja um pássaro.

Sophia de Mello Breyner
in: "Obra Poética I", Caminho 1999

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012





 «Apraz-nos enviar a todos os homens e a todas as nações a mensagem de Salvação, de Amor e de Paz que Jesus Cristo, Filho de Deus vivo, trouxe ao mundo e confiou à Igreja.
Queremos nesta assembleia, sob a direcção do Espírito Santo, procurar como havemos de nos renovar a nós mesmos, para que sejamos encontrados cada vez mais fiéis ao Evangelho de Cristo.
De tal modo consagraremos as nossas energias e pensamentos à renovação de nós mesmos, Pastores, e do Rebanho a nós confiado, que a todos os povos se apresente amável o rosto de Jesus Cristo resplandecente em nossos corações.
Por isso, enquanto esperamos que, pelos trabalhos do Concílio, brilhe mais clara e viva a luz da fé, aguardamos uma renovação espiritual, da qual também se origine um feliz impulso que favoreça os bens humanos, isto é, as invenções da ciência, os progressos da técnica e uma difusão mais ampla da cultura.»


Assim se exprimiam os Padres Conciliares na sua Mensagem a Todos os Homens de 20 de Outubro de 1962, nos primeiros dias do II Concílio do Vaticano que haveria de dar um impulso tão grande de Reforma e Vitalidade na Igreja. Passados quase 50 anos, a Comunidade Cristã da Serra do Pilar, em Vila Nova de Gaia, deseja celebrar este acontecimento Fundante, quer para a vida da Igreja como para a vida da nossa própria Comunidade. Uma série de encontros, a par com exposições, concertos e visitas, permitir-nos-á fazer Memória e renovar estes Princípios. Um Convite que se alarga a todos os cristãos e a "todos os homens".






O primeiro encontro será já na próxima Sexta-Feira, 20 de Janeiro, pelas 21h30 no Mosteiro da Serra do Pilar (ver mapa acima). Contamos com a vossa Presença!